Esse negócio de ser pai e mãe ao mesmo tempo às vezes leva um pobre cretino como eu a situações embaraçosas. Não falo do primeiro sutiã, que por essa eu não passei, graças a bondade de Deus e proteção da Padroeira. Mas estive perto, na quarta-feira passada, quando ouvi de uma das filhas:- Preciso dar uma reforçada no guarda-roupa…
– Ugh?
– Camisolas, quero meia dúzia de camisolas. Esteja às 14h15 na loja tal. Não, não, você não vai escolher nada. Apenas pagar.
Às 14h15 lá estava eu na loja indicada. Eu estava, ela não. E me dei conta, outra vez, que era um personagem fora do contexto. Lembrei de velhas festas do Dia das Mães, às quais eu comparecia, claro. As senhoras me olhando, eu, o único homem da festa. Um dia, quase em desespero, estranho no ninho, solitário em meio a mães alegres e tagarelas, vi um homem à distância.
Ah, maravilha, e corri para ficar ao lado do companheiro, certamente tão vítima como eu da maldita história de pai e mãe ao mesmo tempo. Fui chegando, com licença, com licença, desculpe. Lembrei que alguma das senhoras poderia interpretar mal minha presença e gritar “tem um tarado aqui roçando na bunda sagrada de uma genitora!” Nada aconteceu e cheguei finalmente perto do homem. Era o fotógrafo. Merda! Exclamei, revoltado. “O que disse?”, indagou o fotógrafo. Nada, nada e inventei uma história de pretender tirar umas fotos com meus filhos, sabe como é, daqui a pouco eu procuro.
Relembrando o passado, não dei conta de um detalhe: ali estava eu cercado de calcinhas, milhares delas, de todos os tamanhos e formas, observado pelas vendedoras e seguranças da loja. Um tipo suspeito, claro.
Um segurança ligou o radiocomunicador e falou em código:
– Rassscoss, resthatha. Cassrossscho, rrasras…
Entendi perfeitamente:
“Atenção, atenção, velho provavelmente tarado está aprontando golpe na secção de calcinhas.”
Era eu o único homem na loja. Algumas clientes examinavam as calcinhas e quando me viam, reagiam como se eu estivesse olhando pelo buraco da fechadura enquanto vestiam e desvestiam a peça íntima.
Resolvi andar de um lado para o outro, para despistar. Fui até a porta, pelas bandas da Av. Portugal e fiquei com inveja das pessoas que, sentadas nos bancos, palitavam os dentes e esperavam a hora de voltar ao trabalho, protegidas pelas árvores da praça. “Rrassscoss, rassscos…” os seguranças continuavam a trocar mensagem em código. Resolvi telefonar de um orelhão. De casa informaram que a filha já havia saído.
Voltei à loja e houve um reboliço: “RRRASSCosss, rasssscos!” o velho tarado está voltando. Alerta geral, alerta geral!
Se o problema era olhar para as calcinhas, decido virar o rosto para a direção contrária. Provoquei uma agitação mais forte:
– Cassar, casssac. Rasssac, rasssac…
– Ele está olhando para as camisolas, ele vai atacar na seção das camisolas! Traduzi, já em pânico, que aumentou quando entraram duas policiais femininas. Cheguei a estender os braços para receber as algemas, mas duas moças não estavam interessadas em mim e passaram direto. Aí me bateu a curiosidade: que tipo de calcinhas usariam as garbosas militares? Estiquei o olho, fui me aproximando e, decepção: uma delas comprou uma caixinha, acho que meias. Alguém falou às minhas costas e quase saltei de susto!
Era minha filha, felizmente. Que na mesma hora iniciou a escolha das camisolas. Paguei no caixa e, saindo da loja, ainda ouvi a mensagem dos seguranças:
– Fassssscaaa, fassssca…
Traduzindo: “o miserável é pedófilo e está indo embora. Pobre mocinha…”
– Masscssc, masscssss, axaxaxaxax…
Entendi perfeitamente: “Maldito velho nojento”.
Fiz de conta que não era comigo, que jeito?
Euclides “Chembra” Bandeira
Jornalista
Publicado originalmente em 06/02/2000
Caderno Negócios
Jornal Diário do Pará