O dia em que não consegui fazer uma homenagem a Belém

Escolhi a tarde para começar a pensar num texto, que nunca escrevi, para minha cidade, Belém.

Depois de arrematar o almoço com uma cuia de açaí, caminhei a passos largos para o escritório a fim de evitar a chuva da tarde, que não marca mais hora.

Subir a ladeira da Doca com, pelo menos, meio litro de açaí no “bucho” , como dizem os repórteres policiais, é tarefa nada fácil.

Obviamente exausto, paro na porta, à sombra da velha mangueira, acendo um cigarro e espero aquele tempinho ideal para refrescar a pele e enfrentar o ar-condicionado sem muitos problemas.

Ligo o computador, aquela rapidez que todos eles têm ao serem ligados fazem-nos pensar até que ponto seriam eles paraenses.

Blagues a parte parto para a tela em branco. A gramática vem na cabeça. A idéia não.

Penso no que não foi dito da cidade das mangueiras. Vou até a janela a procura de inspiração. Do outro lado da rua, debaixo de um sol de rachar aprecio D. Adelaide, a tacacazeira da esquina monta sua banca.

Hum, tacacá… Será que rola? A vontade de tomar um não traz nenhum benefício para as idéias. Preciso homenagear Belém.

Mil coisas na cabeça e nenhuma na tela do monitor. As horas passam. Alguém me cobra o texto. Digo que está tudo bem. Tudo bem uma pinóia.

Chego a conclusão que sei viver Belém e não escrever sobre Belém. Isso fica lá pro Sobral, pro Valente, pro Laredo, pro João Carlos, pro Denis… Essa gente que só pensa naquilo: escrever.

E eu? Eu sei andar por aí. Sei me livrar do calor, sei tomar o tacacá da D. Adelaide, descer a Pres. Vargas depois de pegar a São Jerônimo (ah, mudaram o nome da rua?), reclamar dos ambulantes, da igreja que tomou conta do Cine Palácio. O vento que varre a avenida vem da baía com aquele cheirinho de pitiú de peixe. A “maré tá enchendo”, fala alguém.

Não dou um passo imune à admiração que tenho pela maioria dos prédios. Alguns nem tanto. Vou olhar a maré subir, de perto, no Estação. Uma boa desculpa pra uma cerpinha, duas, três… e o tacacá? Ah, o tacacá cura a ressaca, passa o porre, levanta.

Passa um, dois, três, sete… sei lá quantos barcos, pra cima e pra baixo. Tá na hora de ir. Putz, o texto sobre Belém…

Ai, minha Nossa Senhora de Nazaré, dai-me inspiração.

A chuva cai, sem dó nem piedade, bem na subida da Presidente Vargas, de volta ao escritório, à tela em branco. A chuva que cai no meu rosto lembra que naquele pedaço de cidade eu sempre me emociono no Círio, desde que era criança, quando a Santa e a corda sobem a ladeira e as lágrimas descem pelo rosto, como a chuva agora, até mais: encharco minha roupa.

Uma manga tira o fino da minha moleira e se oferece no chão.

O amarelo no lióz: que beleza de manga.

Mais duas ou três na Avenida Nazaré. Não agüento mais manga, afinal tenho que guardar um lugarzinho na barriga pro tacacá.

O quê, pensa que esqueci? E com manga não faz mal? Ah, se faz vai-me fazer.

Palito os dentes de uma boca meio anestesiada pelo jambú e atravesso a rua pra cumprir a minha missão.

O quê? Encerrou o expediente? Mas, assim…

Espero o Sacramenta/Nazaré, suado, molhado, um soninho gostoso.

Eu juro, por Nossa Senhora: ano que vem escrevo sobre Belém.

Égua, lá vem o sacrabala…

Bina Jares

Jornalista e publicitário

Publicado originalmente em 12/01/2004

Anúncio em homenagem ao aniversário de Belém

Agência de propaganda Double M

3 Respostas para “O dia em que não consegui fazer uma homenagem a Belém

  1. Bina, já passei por aqui… vou passar adiante o endereço… e virar freguesa!
    Bjto

  2. pô, uma homenagem dessa era melhor nem ter feito.

  3. Eu adoro o texto e o autor…

Deixe um comentário